"-... esse sujeito de quem estou falando trabalhava como domador de cavalos (...) parecia ter sido feito por encomenda para domar os potros; mas a verdade é que ele tinha outro ofício: o de 'provocador'. Era provocador de sonhos. Isso é que ele era realmente." Pedro Páramo, Juan Rulfo.

domingo, 7 de janeiro de 2007

Publicidade, poluição e sensibilidade

Neste início de ano em São Paulo foi travada uma discussão, entre prefeitura e o setor de publicidade, a respeito da nova lei municipal que restringe toda propaganda externa. Isto significa que estão proibidos outdoors, painéis eletrônicos, banners, faixas etc. no município de São Paulo.
Votada na câmara municipal a lei só teve um voto contrário: do vereador Dalton Silvano (PSDB) que foi diretor do Sindicato dos Publicitários do Estado de São Paulo na década de 80. Ele alega, entre outras coisas, que "uma cidade sem publicidade é uma cidade fria".
São Paulo sem publicidade externa não significa que terá a paisagem árida das cidades do leste europeu durante a Guerra Fria. Como gostam de mostrar filmes hollywoodianos típicos do período: uma paisagem monótona, como se só a publicidade e o capitalismo fossem capazes de injetar vida e calor numa cidade. Talvez seja isto que o vereador pense.
Além desta lei, há um outro projeto também em execução ainda referente à poluição visual da cidade: a obrigatoriedade de tornar subterrâneo toda a fiação e cabeamento. Se a lei for levada à risca quem sabe teremos, daqui a algum tempo, uma cidade livre do emaranhado de fios que já fazem parte da paisagem paulistana.
A poluição visual proporcionada pela publicidade, comunicação visual, fiação e outros na cidade de São Paulo é violenta. E, como nos acostumamos à violência também nos acostumamos à poluição. Precisamos reeducar nossa sensibilidade ao que vemos, cheiramos, ouvimos etc. Para quem trabalha e vive na 25 de março os outdoors e o barulho dos automóveis das principais avenidas podem não significar muita coisa. Mas quem mora em bairros com uma legislação mais restritiva quanto à poluição (é o caso dos bairros elitistas do Pacaembu e Jardins) deve saber que há uma grande diferença.

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A questão da poluição e como estamos acostumados à ela remetem a trechos da carta do chefe Seattle aos presidente dos EUA quando este último se propôs a comprar as terras indígenas. Detalhe: a carta é de 1855 e já mostra o índio preocupado com aquilo que poucos homens brancos se preocupavam naquela época: poluição visual, sonora e olfativa. Alguns trechos da carta:

"Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, pois dele todos se alimentam. Os animais, as árvores, o homem, todos respiram o mesmo ar. O homem branco parece não se importar com o ar que respira. Como um cadáver em decomposição, ele é insensível ao mau cheiro." (...)
"Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.". (...)
"Este destino é um mistério para nós, pois não compreendemos como será no dia em que o último búfalo for dizimado, os cavalos selvagens domesticados, os secretos recantos das florestas invadidos pelo odor do suor de muitos homens e a visão das brilhantes colinas bloqueada por fios falantes. Onde está o matagal? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. É o fim do vida e o início da sobrevivência".

Nada mais atual. Eu não posso deixar de fazer a pergunta batida e óbvia: quem é o selvagem?
Cada frase da resposta do Chefe Seattle ao presidente dos EUA daria um post a parte. Há várias versões, de acordo com as traduções realizadas, da carta. É possível encontrar duas delas clicando aqui.

terça-feira, 2 de janeiro de 2007

James Brown


A morte de James Brown me fez lembrar da minha infância nos anos 70. Naquela época era comum os vizinhos tocarem black e disco music, uma mistura das modas black power (que aqui no Brasil não teve a conotação política do movimento nos EUA) e discoteque. Ouvi muito James Brown, Marvin Gaye, Stevie Wonder e Ray Charles nas tardes de sábado e domingo enquanto brincava pelo quintal ou mesmo quando estava em casa. O som era alto e, muitas vezes, algumas canções eram tocadas, em velhas vitrolas, à exaustão.
James Brown já era uma referência. Canções como "I got you (I fell good)" e ""Get Up (I Feel Like Being A Sex Machine)" já eram hinos da irreverência e "Say it loud - I'm black and I'm proud" (tradução: "Diga alto: sou negro e tenho orgulho disto") era a senha para que a cultura negra se assumisse como tal.
Mas a lembrança mais marcante que tenho do Pai do Soul é a do filme "The Blues Brothers" (que aqui no Brasil ficou "Os irmãos cara-de-pau") no qual ele interpreta um pastor durante um culto. A cena* é engraçada e, ao mesmo tempo, didática sobre a origem da soul music que nasceu das canções gospel nos EUA. Quem conhece a história não se surpreendeu ao ver, pela televisão, no seu velório sua banda cantando sobre seu caixão aberto. Nada mais justo.