"-... esse sujeito de quem estou falando trabalhava como domador de cavalos (...) parecia ter sido feito por encomenda para domar os potros; mas a verdade é que ele tinha outro ofício: o de 'provocador'. Era provocador de sonhos. Isso é que ele era realmente." Pedro Páramo, Juan Rulfo.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Ilhas em processo de extinção

Se você pretende visitar alguma ilha ou planície costeira em algum canto do mundo acho bom se apressar porque "o aumento do nível do mar causado pelo aquecimento global já fez uma pequena ilha desaparecer da superfície do planeta. A submersão de Lohachara, na baía de Bengala, Índia, onde deságuam os rios Ganges e Brahmaputra, foi o prelúdio da confirmação das previsões de climatologistas sobre o agravamento do efeito estufa." Folha de S. Paulo, 27 de dezembro de 2006.
O que antes parecia só ameaça já é realidade, segundo alguns especialistas. Além do desaparecimento desta ilha na Índia há vários outros casos de desaparecimento de ilhas no oceano Pacífico. É o caso, segundo a Folha de São Paulo, de algumas ilhas do arquipélago de Kribati que desapareceram há oito anos.
Pode-se discutir se estes desaperecimentos estão mais relacionados à formação natural do planeta e não a uma elevação do nível do mar. Sabe-se que, assim como nascem novas ilhas a partir, por exemplo, do derramamento de lavas de vulcões oceânicos, também áreas costeiras e pequenas ilhas desaparecem devido a fenômenos erosivos. Mas não é este o caso da ilha de Lohachara. A situação é alarmante. Ainda segundo a Folha de São Paulo, Locahara chegou a ter 10 mil habitantes. E foi desparecendo de maneira gradual e persistente. E outras ilhas no delta do Ganges estão no mesmo caminho.
Assim como temos listas de animais extintos quem sabe daqui a algum tempo também não tenhamos listas de lugares extintos (neste caso provocados pelo homem).
Estas ilhas não tem a fama e, talvez, nem o charme de Veneza, mas se alguém pretende conhecer é bom ir logo.

sábado, 16 de dezembro de 2006

Retrospectivas

Reproduzo aqui, com algumas alterações, texto escrito para o Jornal do Santa que é o jornalzinho, no sentido literal, do Colégio Santa Catarina.

Até a adolescência eu gostava de retrospectivas. Eu assistia na televisão, ou lia em revistas, aquelas edições de notícias de um ano inteiro. Para mim, era uma overdose de coisas interessantes condensadas em um curto espaço. Hoje acho esse negócio muito chato e superficial além, óbvio, de sensacionalista. Acabo sempre lembrando de coisas importantes que os jornalistas esqueceram ou não quiseram inserir. No geral, essas reportagens buscam audiência e, por isso, dão destaque para notícias que vendem: são capazes de fazer menção à nova celebridade acéfala e não falar de uma só descoberta científica. Boa parte da mídia não está interessada numa reflexão sobre as grandes questões humanas e nem em fazer uma análise crítica das transformações do mundo.
Para escrever uma retrospectiva de 2006 já imaginei um rol de fatos e situações ocorridas. Mas para que lembrá-las? Vale a pena agora colocar, sem maiores reflexões, numa mesma lista o medo paulistano diante do PCC, a invasão israelense no Líbano e a cabeçada de Zidane na final da Copa? Talvez valesse, como valia para mim, por ser uma curiosidade acerca de fatos, personalidades etc. Fora isso...
Mas se eu resumisse o ano eu diria que, nós brasileiros, em 2006, projetamos, mais que de costume, nossos pensamentos para os céus e para o espaço. Seja por uma tragédia (do maior acidente aéreo da história); por orgulho (do primeiro brasileiro no espaço); por tristeza (o desmantelamento da Varig); por preocupação e indignação (crise no transporte aéreo); por comemoração (centenário do vôo de Santos Dumont); ou, ainda, por surpresa (Plutão não é mais planeta!). Mas os problemas terrenos continuam os mesmos: violência, corrupção, desigualdade e instabilidade social, fome, aquecimento global etc. Neste quesito: sem novidades!
Lembrar o que passou talvez ajude a criar esperanças para um novo período. A troca da folhinha da parede não traz grandes significados. A maior mudança só é possível em nós mesmos, e isto pode ser feito em qualquer dia do ano independente de calendário cristão, judeu, chinês ou muçulmano. Porque, afinal de contas, diz o ditado que hoje é o primeiro dia do resto de nossas vidas.

quarta-feira, 24 de maio de 2006

Telê: professor, mestre e educador


(Coloco de volta aquela que seria a primeira postagem deste blog. Escrevi um dia depois da morte de Telê. Mas resolvi tirar porque achei que não tinha ficado legal para iniciar o blog. Aí tirei umas coisas e acrescentei outras.)

Lembro-me muito bem: no dia 5 de julho de 1982 chorei e culpei Telê Santana. É inesquecível a derrota brasileira por 3 a 2 para Itália, no estádio Sarriá, e que tirava o Brasil da Copa. Como poderia uma seleção como aquela de 82 (com Zico, Falcão, Sócrates, Júnior, Leandro etc.) perder para uma seleção sem graça e que por pouco não passava para a segunda fase da Copa da Espanha? Eu, então com 12 anos, não entendi. Levaria algum tempo para perceber que, no futebol (caso da Hungria-54, Holanda-74 e Brasil-82) e outros campos da vida, beleza não é sempre recompensada com premiações. Eu "perdoaria" Telê dez anos depois, pela criança que ele fez chorar, ao conquistar o campeonato mundial em Tóquio com meu São Paulo. E, muito mais que isso, com o Sâo Paulo Telê ganharia 11 títulos em 5 anos, inclusive o bi-mundial em 93.

Mais que técnico e jogador de futebol, Telê foi (e continua sendo) uma referência de ética profissional dentro e fora do campo. Telê entendia e mostrava que ética e estética andam juntas. Falava e trabalhava com futebol sempre atento aos compromissos com a torcida e suas conseqüências para a sociedade.
Ele era chamado de professor e mestre Telê, mas foi também um educador. Quem defendia o chamado futebol arte não poderia compactuar com um jogo agressivo, nem defender que para parar o adversário era necessário derrubá-lo a todo custo.
Quem assiste a um jogo jogado no fundamento de que é preciso bater para vencer o adversário é educado assim. Parece-me óbvio que a violência em estádios está relacionada também à violência no campo. Aí estádios se tornam lugares a serem evitados por famílias e, principalmente, crianças. É significativo o depoimento do Zico, a respeito da importância do Telê, ao dizer que ele foi o único técnico que não mandava bater no adversário.

E tantos outros jogadores que viam em Telê um pai. Claro! Ensinar para além das coisas práticas, das necessidades urgentes, das conquistas efêmeras, é papel do pai. É comum dizer que pai é quem educa. Educadores não se acham apenas nas escolas (aliás, a escola não é um lugar onde se acham muitos), estão espalhados nos mais diferentes campos profissionais. São pessoas que desempenham a sua atividade baseada em princípios que servem para toda a sociedade. Telê, no caso, mostrava que era possível competição sem o anulamento do outro. De que é possível ganhar com beleza, deixando pragmatismos de lado. De que é possível ser consagrado e ter humildade; ele não diferenciava as pessoas (os repórteres e jogadores dizem isto). De que é possível ser aplaudido mesmo quando se perde (inesquecível a cena no Aeroporto de Barcelona no dia 6 de julho de 1982, um dia depois de perder para a Itália).
Nem que para tudo isso tivesse que carregar (durante um tempo) a alcunha de "pé frio".

O futebol cria heróis de um só jogo, épicos de final de semana, salvadores de finais de campeonato. No entanto, são poucos aqueles que levam uma vida inteira apresentando regularidade, integridade e beleza. Valeu Telê!


sexta-feira, 19 de maio de 2006

Sem eles...

Ao falar numa aula sobre os fluxos migratórios internacionais citei o filme
Um Dia Sem Mexicanos (Day Without a Mexican, A, 2004 - Direção: Sergio Arau. Espanha/Estados Unidos/México. 100 minutos.) que mostra uma Califórnia em pânico porque num dia, um terço de sua população desaparece. Só que "detalhe"... os 14 milhões de desaparecidos são latinos: entregadores de pizza, policiais, médicos, operários e babás que garantiam o bem-estar da população branca. Daí os californianos começam a perceber a importância dos antes desvalorizados latinos e, sobretudo, mexicanos.

E também citei algo que aconteceu, de fato, nos EUA, recentemente:

"Centenas de milhares de imigrantes e seus defensores deixaram o trabalho, escola e as compras na segunda-feira, marchando em dezenas de cidades de costa a costa. As manifestações (...) sinalizaram a determinação daqueles a favor do relaxamento das leis do país sobre imigração ilegal. (...)
Lojas e restaurantes em Los Angeles, Chicago e Nova York ficaram fechados porque os trabalhadores não compareceram (...). Alface, tomate e uvas não foram colhidos em campos na Califórnia e Arizona, que contribuem com mais da metade da produção do país, (...). Os caminhoneiros que transportam 70% dos bens em portos em Los Angeles e Long Beach, o mais movimentados do país, não trabalharam. Frigoríficos, incluindo Tyson e Cargill, fecharam suas fábricas no Meio-Oeste e no Oeste, que empregam mais 20 mil pessoas, enquanto os amplos mercados de flores e de produtos hortifrutigranjeiros no centro de Los Angeles permaneciam estranhamente vazios."
The New York Time, 02/05/2006.

Perguntei aos alunos, os ditos "paulistanos da gema":
E aí, e se acontesse dos nordestinos, que moram e trabalham em São Paulo, resolverem fazer a mesma coisa: parar!? Ou então, como no filme, se eles simplesmente desaparecessem da cidade?

Obviamente sempre tem aqueles (uma minoria) com suas respostas prontas e preconceituosas.
Para estes os nordestinos só atrapalham. Eu preciso lembrá-los do quanto os nordestinos participam efetivamente das suas (e nossas) vidas: porteiros, empregadas domésticas, faxineiras da escola, professores, escritores, artistas e outras tantas pessoas...
Mesmo assim, às vezes, é díficil convencer da interdependência.

O engraçado é que a maioria dos alunos é descendente de imigrantes: italianos, portugueses, espanhóis e eslavos que vieram para São Paulo durante o período de vacas magras da Europa. Assim como os nordestinos migraram para tentar o melhor aqui em São Paulo. A diferença é que eles (seus avós e bisavós) vieram antes. Se, grosso modo, devemos, em parte, aos imigrantes estrangeiros a São Paulo industrializada, devemos então aos nordestinos da São Paulo transformada em metrópole. Esta primeira fase, dos imigrantes, aqui assinalada, é cercada de certa nostalgia por causa da São Paulo antiga, belle époque, da São Paulo da garoa, do cosmopolitanismo nascente etc... Já a segunda, dos nordestinos, carrega os traumas do inchaço urbano: déficits habitacionais, trânsito, poluição, periferização sem fim etc... No entanto ambos são partes de um mesmo processo.

Resposta para os alunos: São Paulo não é a mesma sem nordestinos e sem os imigrantes. Mostro São Paulo através das janelas, de onde se vê uma cidade extensamente verticalizada, e digo: "Sem eles esta riqueza não existiria."
O problema é que uma parte deles não consegue (ainda, espero eu!) ver além.

terça-feira, 16 de maio de 2006

Cotidiano Escolar 2

Sobre a postagem de ontem:

"Temor de novos ataques causa pânico e fecha escolas e lojas"
Manchete da Folha de São Paulo, 16/05/2006.

Nem escola aberta, nem aula, nem provas, nem simulado.
E bem antes disto nem debate, nem discussão, nem explicações sobre o que ocorre na cidade.
Talvez umas poucas palavras.
Por que somos obrigados a deixar a urgência da vida para depois por causa de exames e provas sobre coisas que não são importantes?
Por que deixar a realidade de lado quando o simulado nem chegaria a existir.
Respostas eu mesmo tenho, mas eu não me convenceria...

segunda-feira, 15 de maio de 2006

Cotidiano Escolar

"PCC faz mais de 150 atentados e provoca 80 motins; 74 morrem"

"Cerca de 2,9 milhões de pessoas foram prejudicadas nesta segunda-feira pela paralisação de empresas de ônibus em São Paulo, em meio a uma onda de ataques atribuídos ao PCC (Primeiro Comando da Capital). Somente na capital, 47 veículos foram queimados entre a noite de domingo (14) e a manhã desta segunda-feira."
Folha de São Paulo, 15 de maio de 2006

Hoje entro em sala e os alunos:
"Professor, explique o que está acontecendo na cidade e no Estado."
"Por que estão atacando os policiais?" "O que eles ganham com isto?"
"Havera´intervenção federal?" "E aí se tiver?" "Ficarei sem ônibus professor!"
Mas sou obrigado lembrá-los: "Amanhã temos simulado, debatemos isto e deixamos a revisão?" Resignados respondem:
"Ok! Vamos à revisão!"
A revisão foi, entre outras coisas, sobre a exploração de recursos mineriais na América do Sul.
(no finalzinho da aula, faltando uns 5 minutos, falei brevemente sobre o ocorrido)

Fatídico!
A cena já estava num antigo cartum estampada numa apostila de uma disciplina da faculdade de Educação:
os alunos todos no pátio do colégio com os olhares voltados para o céu. Com filmes de fotografia e chapas de raio x observam um eclipse. Fim do intervalo e a professora chama os alunos 'Venham! Acabou o recreio e já é hora da aula de ciências!'.

O que é mais urgente?

domingo, 14 de maio de 2006

O provocador...

O título do blog tem razão de ser. Como é possível perceber, ela surge a partir de um trecho do romance Pedro Páramo de Juan Rulfo. O trecho é uma descrição de um personagem que é um domador de cavalos. No romance, ele não é um protagonista, nem tem grande importância ao longo da história, mas me chamou a atenção a descrição.
Alguém, ano passado, escreveu que, entre outras coisas, minha vida, de professor, era "ensinar os potros a cavalgarem com as próprias patas." Isto era uma referência à canção Wild horses do Rolling Stones. Esta é música de fundo do meu discurso de paraninfo exposto no site do colégio onde trabalho (ainda acessível ). A música eu tinha escolhido a dedo. Achei o letra e a melodia adequada para o contexto do discurso. Mas não para por aí. A citação continua e diz que mais que um domador de potros o personagem tinha outro ofício: era um provocador de sonhos. Achei esta descrição belíssima. Eu me perguntei que profissional ou que pessoa poderia ter tal função: provocar sonhos?
Achei que tinha tudo a ver com o trabalho do educador que fica bem além do trabalho do professor.
O professor se volta para as questões práticas da vida. Ensina o aluno a partir de receituários contidos em livros ou apostilas. Muitas vezes ensino o inútil, útil apenas para o próximo exame ou para o vestibular. Os conteúdos, para o professor, são quase sempre um fim em si mesmo.
Já o educador precisa lidar, muitas vezes, com a subjetividade. E sonhos talvez sejam sua analogia mais precisa. Educador há de lidar com as esperanças, as idéias, as emoções, os sentimentos etc. O educador desperta a sensibilidade, tem de trazer à tona a essência humana. É da sua função ser provocativo para despertar o que adormece. A provocação nasce da necessidade de fazer mudar aquilo que parece estar consolidado, concluído, definido etc.
O professor ensina a andar. O educador ensina a dançar.
Educador sou às vezes. Sou mais professor que educador.
Fiquei com a idéia na cabeça. Quando decidi escrever um diário virtual precisei de um nome. Acho que o título cabe aqui já que faz referência a um dos assuntos a serem abordados neste blog: o cotidiano escolar. Aos poucos outros assuntos aparecerão. É isso.

segunda-feira, 1 de maio de 2006


“- ...Esse sujeito de quem estou falando trabalhava como domador de cavalos (...) parecia ter sido feito por encomenda pra domar os potros; mas a verdade é que ele tinha outro ofício: o de ‘provocador’. Era provocador de sonhos. Isso é que ele era realmente.”

Pedro Páramo, Juan Rulfo.