"-... esse sujeito de quem estou falando trabalhava como domador de cavalos (...) parecia ter sido feito por encomenda para domar os potros; mas a verdade é que ele tinha outro ofício: o de 'provocador'. Era provocador de sonhos. Isso é que ele era realmente." Pedro Páramo, Juan Rulfo.

quarta-feira, 24 de maio de 2006

Telê: professor, mestre e educador


(Coloco de volta aquela que seria a primeira postagem deste blog. Escrevi um dia depois da morte de Telê. Mas resolvi tirar porque achei que não tinha ficado legal para iniciar o blog. Aí tirei umas coisas e acrescentei outras.)

Lembro-me muito bem: no dia 5 de julho de 1982 chorei e culpei Telê Santana. É inesquecível a derrota brasileira por 3 a 2 para Itália, no estádio Sarriá, e que tirava o Brasil da Copa. Como poderia uma seleção como aquela de 82 (com Zico, Falcão, Sócrates, Júnior, Leandro etc.) perder para uma seleção sem graça e que por pouco não passava para a segunda fase da Copa da Espanha? Eu, então com 12 anos, não entendi. Levaria algum tempo para perceber que, no futebol (caso da Hungria-54, Holanda-74 e Brasil-82) e outros campos da vida, beleza não é sempre recompensada com premiações. Eu "perdoaria" Telê dez anos depois, pela criança que ele fez chorar, ao conquistar o campeonato mundial em Tóquio com meu São Paulo. E, muito mais que isso, com o Sâo Paulo Telê ganharia 11 títulos em 5 anos, inclusive o bi-mundial em 93.

Mais que técnico e jogador de futebol, Telê foi (e continua sendo) uma referência de ética profissional dentro e fora do campo. Telê entendia e mostrava que ética e estética andam juntas. Falava e trabalhava com futebol sempre atento aos compromissos com a torcida e suas conseqüências para a sociedade.
Ele era chamado de professor e mestre Telê, mas foi também um educador. Quem defendia o chamado futebol arte não poderia compactuar com um jogo agressivo, nem defender que para parar o adversário era necessário derrubá-lo a todo custo.
Quem assiste a um jogo jogado no fundamento de que é preciso bater para vencer o adversário é educado assim. Parece-me óbvio que a violência em estádios está relacionada também à violência no campo. Aí estádios se tornam lugares a serem evitados por famílias e, principalmente, crianças. É significativo o depoimento do Zico, a respeito da importância do Telê, ao dizer que ele foi o único técnico que não mandava bater no adversário.

E tantos outros jogadores que viam em Telê um pai. Claro! Ensinar para além das coisas práticas, das necessidades urgentes, das conquistas efêmeras, é papel do pai. É comum dizer que pai é quem educa. Educadores não se acham apenas nas escolas (aliás, a escola não é um lugar onde se acham muitos), estão espalhados nos mais diferentes campos profissionais. São pessoas que desempenham a sua atividade baseada em princípios que servem para toda a sociedade. Telê, no caso, mostrava que era possível competição sem o anulamento do outro. De que é possível ganhar com beleza, deixando pragmatismos de lado. De que é possível ser consagrado e ter humildade; ele não diferenciava as pessoas (os repórteres e jogadores dizem isto). De que é possível ser aplaudido mesmo quando se perde (inesquecível a cena no Aeroporto de Barcelona no dia 6 de julho de 1982, um dia depois de perder para a Itália).
Nem que para tudo isso tivesse que carregar (durante um tempo) a alcunha de "pé frio".

O futebol cria heróis de um só jogo, épicos de final de semana, salvadores de finais de campeonato. No entanto, são poucos aqueles que levam uma vida inteira apresentando regularidade, integridade e beleza. Valeu Telê!


sexta-feira, 19 de maio de 2006

Sem eles...

Ao falar numa aula sobre os fluxos migratórios internacionais citei o filme
Um Dia Sem Mexicanos (Day Without a Mexican, A, 2004 - Direção: Sergio Arau. Espanha/Estados Unidos/México. 100 minutos.) que mostra uma Califórnia em pânico porque num dia, um terço de sua população desaparece. Só que "detalhe"... os 14 milhões de desaparecidos são latinos: entregadores de pizza, policiais, médicos, operários e babás que garantiam o bem-estar da população branca. Daí os californianos começam a perceber a importância dos antes desvalorizados latinos e, sobretudo, mexicanos.

E também citei algo que aconteceu, de fato, nos EUA, recentemente:

"Centenas de milhares de imigrantes e seus defensores deixaram o trabalho, escola e as compras na segunda-feira, marchando em dezenas de cidades de costa a costa. As manifestações (...) sinalizaram a determinação daqueles a favor do relaxamento das leis do país sobre imigração ilegal. (...)
Lojas e restaurantes em Los Angeles, Chicago e Nova York ficaram fechados porque os trabalhadores não compareceram (...). Alface, tomate e uvas não foram colhidos em campos na Califórnia e Arizona, que contribuem com mais da metade da produção do país, (...). Os caminhoneiros que transportam 70% dos bens em portos em Los Angeles e Long Beach, o mais movimentados do país, não trabalharam. Frigoríficos, incluindo Tyson e Cargill, fecharam suas fábricas no Meio-Oeste e no Oeste, que empregam mais 20 mil pessoas, enquanto os amplos mercados de flores e de produtos hortifrutigranjeiros no centro de Los Angeles permaneciam estranhamente vazios."
The New York Time, 02/05/2006.

Perguntei aos alunos, os ditos "paulistanos da gema":
E aí, e se acontesse dos nordestinos, que moram e trabalham em São Paulo, resolverem fazer a mesma coisa: parar!? Ou então, como no filme, se eles simplesmente desaparecessem da cidade?

Obviamente sempre tem aqueles (uma minoria) com suas respostas prontas e preconceituosas.
Para estes os nordestinos só atrapalham. Eu preciso lembrá-los do quanto os nordestinos participam efetivamente das suas (e nossas) vidas: porteiros, empregadas domésticas, faxineiras da escola, professores, escritores, artistas e outras tantas pessoas...
Mesmo assim, às vezes, é díficil convencer da interdependência.

O engraçado é que a maioria dos alunos é descendente de imigrantes: italianos, portugueses, espanhóis e eslavos que vieram para São Paulo durante o período de vacas magras da Europa. Assim como os nordestinos migraram para tentar o melhor aqui em São Paulo. A diferença é que eles (seus avós e bisavós) vieram antes. Se, grosso modo, devemos, em parte, aos imigrantes estrangeiros a São Paulo industrializada, devemos então aos nordestinos da São Paulo transformada em metrópole. Esta primeira fase, dos imigrantes, aqui assinalada, é cercada de certa nostalgia por causa da São Paulo antiga, belle époque, da São Paulo da garoa, do cosmopolitanismo nascente etc... Já a segunda, dos nordestinos, carrega os traumas do inchaço urbano: déficits habitacionais, trânsito, poluição, periferização sem fim etc... No entanto ambos são partes de um mesmo processo.

Resposta para os alunos: São Paulo não é a mesma sem nordestinos e sem os imigrantes. Mostro São Paulo através das janelas, de onde se vê uma cidade extensamente verticalizada, e digo: "Sem eles esta riqueza não existiria."
O problema é que uma parte deles não consegue (ainda, espero eu!) ver além.

terça-feira, 16 de maio de 2006

Cotidiano Escolar 2

Sobre a postagem de ontem:

"Temor de novos ataques causa pânico e fecha escolas e lojas"
Manchete da Folha de São Paulo, 16/05/2006.

Nem escola aberta, nem aula, nem provas, nem simulado.
E bem antes disto nem debate, nem discussão, nem explicações sobre o que ocorre na cidade.
Talvez umas poucas palavras.
Por que somos obrigados a deixar a urgência da vida para depois por causa de exames e provas sobre coisas que não são importantes?
Por que deixar a realidade de lado quando o simulado nem chegaria a existir.
Respostas eu mesmo tenho, mas eu não me convenceria...

segunda-feira, 15 de maio de 2006

Cotidiano Escolar

"PCC faz mais de 150 atentados e provoca 80 motins; 74 morrem"

"Cerca de 2,9 milhões de pessoas foram prejudicadas nesta segunda-feira pela paralisação de empresas de ônibus em São Paulo, em meio a uma onda de ataques atribuídos ao PCC (Primeiro Comando da Capital). Somente na capital, 47 veículos foram queimados entre a noite de domingo (14) e a manhã desta segunda-feira."
Folha de São Paulo, 15 de maio de 2006

Hoje entro em sala e os alunos:
"Professor, explique o que está acontecendo na cidade e no Estado."
"Por que estão atacando os policiais?" "O que eles ganham com isto?"
"Havera´intervenção federal?" "E aí se tiver?" "Ficarei sem ônibus professor!"
Mas sou obrigado lembrá-los: "Amanhã temos simulado, debatemos isto e deixamos a revisão?" Resignados respondem:
"Ok! Vamos à revisão!"
A revisão foi, entre outras coisas, sobre a exploração de recursos mineriais na América do Sul.
(no finalzinho da aula, faltando uns 5 minutos, falei brevemente sobre o ocorrido)

Fatídico!
A cena já estava num antigo cartum estampada numa apostila de uma disciplina da faculdade de Educação:
os alunos todos no pátio do colégio com os olhares voltados para o céu. Com filmes de fotografia e chapas de raio x observam um eclipse. Fim do intervalo e a professora chama os alunos 'Venham! Acabou o recreio e já é hora da aula de ciências!'.

O que é mais urgente?

domingo, 14 de maio de 2006

O provocador...

O título do blog tem razão de ser. Como é possível perceber, ela surge a partir de um trecho do romance Pedro Páramo de Juan Rulfo. O trecho é uma descrição de um personagem que é um domador de cavalos. No romance, ele não é um protagonista, nem tem grande importância ao longo da história, mas me chamou a atenção a descrição.
Alguém, ano passado, escreveu que, entre outras coisas, minha vida, de professor, era "ensinar os potros a cavalgarem com as próprias patas." Isto era uma referência à canção Wild horses do Rolling Stones. Esta é música de fundo do meu discurso de paraninfo exposto no site do colégio onde trabalho (ainda acessível ). A música eu tinha escolhido a dedo. Achei o letra e a melodia adequada para o contexto do discurso. Mas não para por aí. A citação continua e diz que mais que um domador de potros o personagem tinha outro ofício: era um provocador de sonhos. Achei esta descrição belíssima. Eu me perguntei que profissional ou que pessoa poderia ter tal função: provocar sonhos?
Achei que tinha tudo a ver com o trabalho do educador que fica bem além do trabalho do professor.
O professor se volta para as questões práticas da vida. Ensina o aluno a partir de receituários contidos em livros ou apostilas. Muitas vezes ensino o inútil, útil apenas para o próximo exame ou para o vestibular. Os conteúdos, para o professor, são quase sempre um fim em si mesmo.
Já o educador precisa lidar, muitas vezes, com a subjetividade. E sonhos talvez sejam sua analogia mais precisa. Educador há de lidar com as esperanças, as idéias, as emoções, os sentimentos etc. O educador desperta a sensibilidade, tem de trazer à tona a essência humana. É da sua função ser provocativo para despertar o que adormece. A provocação nasce da necessidade de fazer mudar aquilo que parece estar consolidado, concluído, definido etc.
O professor ensina a andar. O educador ensina a dançar.
Educador sou às vezes. Sou mais professor que educador.
Fiquei com a idéia na cabeça. Quando decidi escrever um diário virtual precisei de um nome. Acho que o título cabe aqui já que faz referência a um dos assuntos a serem abordados neste blog: o cotidiano escolar. Aos poucos outros assuntos aparecerão. É isso.

segunda-feira, 1 de maio de 2006


“- ...Esse sujeito de quem estou falando trabalhava como domador de cavalos (...) parecia ter sido feito por encomenda pra domar os potros; mas a verdade é que ele tinha outro ofício: o de ‘provocador’. Era provocador de sonhos. Isso é que ele era realmente.”

Pedro Páramo, Juan Rulfo.